Problemas complexos têm solução?

abr 26, 2019 | Artigos

Nosso percurso de aprendizagem até o ensino superior geralmente nos ensina a resolver problemas como uma equação. Somos orientados a enfrentar problemas por meio de um caminho, de uma linha de raciocínio ou equação para chegar numa solução. Afinal, provas e problemas são feitos para serem resolvidos. Será mesmo?

Há uma distinção necessária a se fazer entre problemas e questões. Problemas têm a ver com uma equação, com um percurso para chegar em determinado resultado ou numa solução. Já no caso da questão, o resultado pode ser uma solução ou uma não solução. Nesse caso, há de se direcionar a “solução” para a gestão. Uma questão sem solução pode não ser resolvida, mas pode ser gerida.

Outra distinção importante a ser feita é entre problemas e paradoxos. Nossos sentidos não estão aguçados o suficiente para identificar paradoxos, mas certamente eles estão tanto quanto ou mais presentes em nossas vidas do que problemas. Paradoxos são fatos aparentemente sem lógica regidos por contradições. Assim como as questões sem solução, os paradoxos precisam de gestão, pois uma aparente solução para eles poderia recair numa simplificação, gerando um resultado ineficaz no tempo.

Muitas vezes é o fator “humano” que justamente torna os problemas em questões complexas e paradoxos. Quando problemas envolvem pessoas e relações, precisamos trocar as lentes de “solucionadores” para as lentes de “gestores”. Um gestor de problemas complexos é alguém que sabe se movimentar no caos, trabalhar com o que acontece sem lutar contra, mas atuando sobre isso, consegue gerar engajamento e sentido em torno da questão e tem habilidade de participar e incentivar a participação dos demais envolvidos.

Formação em Facilitação de Grupos (Grupoiesis) é um território provocador de fenômenos complexos que emergem do campo grupal. É ao longo do percurso formativo que se desenvolvem competências para gerir problemas complexos com a inteligência coletiva, para que problemas que tenham solução se resolvam e paradoxos possam ser olhados e cuidados. Quando se trabalha com a inteligência coletiva, os resultados são multidimensionais, ou seja, alguns aparecem rápido e outros mostram-se ao longo do tempo.

Respeitando esse tempo e usando-o a favor do desenvolvimento do grupo, o resultado coletivo é mais consistente. Isso porque o grupo passa pelas camadas de engajamento, geração de sentido e participação para então chegar a um resultado. Nesse percurso, o grupo se vê na solução, as pessoas envolvidas raramente questionam o resultado, pois estão implicadas nele. Fortalecer o corpo grupal com tempo mais prolongado traz consistência no trabalho com grupo.

COMO TRABALHAR PROBLEMAS COMPLEXOS?

Já dissemos que problemas complexos precisam de gestão, não de soluções  simplistas. Para gerenciar problemas dessa natureza, é necessário estabilizá-los, interagir com eles e então gerar aprendizado e resultados a partir dessa interação. A gestão da complexidade no trabalho com grupos envolve a estabilização do grupo dentro de paradoxos. Para isso, é importante que o grupo desenvolva e fortaleça o modo de pensar da complexidade, não linear, que exige um esforço de aceitação ativa. Trata-se de um tipo de aceitação que não se resigna ou se paralisa diante da complexidade, mas que olha ativamente determinada realidade que está fora de seu controle. É com essa qualidade de olhar e postura ativa diante da complexidade que se criam platôs de estabilização para que o grupo consiga agir com e a partir da realidade que se apresenta.

A solução possível para problemas complexos se encontra nos platôs criados pela inteligência coletiva nos campos da aceitação, estabilização e gestão do problema. É por isso que hoje têm se valorizado mais as competências relacionais (ou “suaves”, soft skills) do que expertises específicas.

O profissional especialista tem um foco na técnica ou num método específico. Sozinho, ele não consegue resolver problemas complexos, nem ter a visão sistêmica de tudo o que é preciso para encontrar soluções eficazes. Um grupo de técnicos especialistas diante de um problema complexo pode reunir suas habilidades a serviço de problemas pontuais, mas pode perder de vista aspectos como o contexto, o impacto da solução aos envolvidos etc. É por isso que hoje os generalistas ganham cada vez mais espaço nos ambientes de trabalho. Vistos anteriormente de forma depreciativa (os “sem foco”), hoje os generalistas encontram seus lugares de valor: o da visão e análise do contexto, do problema e dos envolvidos; o da interpretação do que acontece no presente em relação a situações passadas e a tendências do futuro; o de criador e conector de especialistas; o de gestor da complexidade.

 

Paulo Henrique Corniani
É sociólogo, pós-graduado em dinâmica dos grupos e coach ontológico. Sócio do Appana Território de Aprendizagem. Um homem latino americano buscando entender as coisas.

Carolina Messias
Um ser letral, pesquisadora de processos de escrita, mestre em Literatura e coach com formação comportamental e ontológica. Reúne suas paixões por Comunicação Autoral e Desenvolvimento Humano na Incipit Hub.

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