Coaching de Plástico

ago 14, 2016 | Artigos

Que coaching virou febre, é inegável.

Temos muitos benefícios relacionados ao fato dessa prática ter entrado fortemente nos discursos corporativos e acadêmicos. Criamos espaços para conversas significativas, que estão cada vez mais raras por razões diversas como a falta de tempo em virtude da pressão por resultados, a falta de interesse e de recursos para olharmos para nós mesmos e para nossos comportamentos. Além disso, na minha experiência, tenho visto cada vez mais uma aridez de repertório individual para que uma conversa significativa possa se sustentar.

Toda nova disciplina ou nova profissão, necessita de um “tempo de acomodação” para se consolidar enquanto tal, e quando olhamos para o trajeto do coaching enquanto nova disciplina, em seu decorrer, muitas iniciativas vão sendo empreendidas, principalmente no sentido de capitalizar à qualquer custo tudo que o envolva.

Um exemplo disso é o surgimento de inúmeros cursos que se propõe a formar coaches em 2 ou 4 dias. As formações viraram uma indústria e seus proponentes, na maioria das vezes, sequer fazem atendimentos de coaching ou trabalham com equipes. São pessoas que se expressam razoavelmente bem e falam de um “mundo ideal” do coaching, que raramente se concretiza na prática.

Recebi recentemente um anúncio por e-mail de uma pessoa que se propunha a “revelar” em apenas uma hora, on-line, segredos que as escolas de formação não “querem” que ninguém saiba. É claro de depois disso eram desfiadas uma a uma as contas do “rosário” de promessas de facilidades,  de passo-a-passo, de reconhecimento público, e de renda satisfatória e abundante. Um negócio que, diga-se de passagem, eu adoraria ter!

E é com essa esperança que nascem algumas escolas de coaching que ministram formações e literalmente arremessam no mercado o que tenho chamado de “órfãos do coaching”, ou seja, pessoas que investiram alto e não tem a menor ideia do que fazer com aquele pacote de ferramentas que lhes foi entregue em um fim de semana, além de esperarem (ingenuamente) que ficarão milionários.

A dança do tempo com o agir profissional daqueles que têm se envolvidos com o coaching, em conjunto, definirão seu futuro e certamente esse futuro será mais sustentável, quanto mais profunda e abrangente for a formação e quanto mais intensa for a prática de quem atua.

Grande parte daqueles que se aventuram no mundo do coaching sabem disso, porém a ansiedade (e muitas vezes a necessidade) para se obter o certificado faz com que muitos queiram abreviar um caminho que poderia ser de transformação, convertendo-o num caminho de busca por técnicas e ferramentas que tornam-se vazias em sem sentido perante a complexidade da vida de um coachee que espera ter seus objetivos alavancados com um processo.

Coaching de Plástico?

Coloquemos num caldeirão a infertilidade das formações-relâmpago e juntemos à isso a escassez de repertório de linguagem e comunicativo dos postulantes à coaches e o que temos como resultado final? Processos de Coaching de Plástico!

Explico: Processos de Coaching de Plástico são aqueles onde o coach tem a ilusão de que munido de fichas com perguntas “poderosas” pré-programadas, ou uma lista delas é possível levar um ser humano à desenvolver sua potência, atingir sua meta e transformar-se. Tudo isso em no máximo 10 encontros.

É curioso ver que na maioria das vezes, quando o cliente sai do “script” das fichas ou das perguntas prontas – o ser humano é mesmo incontrolável… –  o profissional de plástico, que serve aos processos de coaching de plástico, não sabe para onde ir e tenta à todo custo “encaixar” seu cliente (que não deve ser de plástico, senão não teria saido do script) de volta no processo, no que ele (coach) vê ou interpreta sobre o cliente e nesse movimento, cometem-se enormes violências, que frustram coachees e comprometem a reputação de inúmeros profissionais sérios e bem formados.

Dando um exemplo bastante conhecido no “mundo do coaching”, a pergunta: o que te impede de alcançar seu objetivo (ou fazer alguma coisa)? É uma das perguntas-padrão-plástico que podem até ser úteis em alguns contextos, mas que usadas de forma descontextualizada e recorrente torna um encontro de coaching simplesmente insuportável! Confesso que meu primeiro ímpeto ao ouvir essa pergunta é responder: “se eu soubesse, não estaria aqui!”.

Acredito que temos uma capacidade de elaboração que está muito abaixo de nosso potencial e que temos certamente um imenso potencial transformador de nós mesmos e do mundo. Geralmente nos mantemos aprisionados em uma interpretação que nos limita e quando assumimos a perspectiva central da transformação para nossa existência, geramos mundos que antes não eram possíveis.

Para que esse giro na postura do observador (de nós mesmos e do mundo) que somos possa se dar, o profissional que atua como coach precisa ser provocador, mas jamais pode se esquecer da delicadeza necessária ao lidar com outro ser humano. Pessoas não são coisas às quais podemos nos referir de qualquer jeito (apesar de aparentemente obvia, em nosso cotidiano não vivenciamos essa afirmação plenamente).

Dando um exemplo mais, vivido recentemente em um curso onde eu era aprendiz, ouvi dos facilitadores, referindo-se ao coachee, depois de um encontro-treino de aproximadamente meia hora (sim, acreditem, feedback sobre o cliente!!!!): “o problema é que ele (coachee) não aceita os resultados, ele é racional demais, ele não aceita ser mais leve, ele tem problemas com os resultados porque não dialoga, diz que se importa com os outros, mas não vê os outros…” e todos expressaram livremente seus julgamentos e inferências sobre o coachee na frente deste, como se essa pessoa não estivesse presente! No mais, em nenhum momento ninguém fez qualquer pergunta ao coachee sobre os resultados que ele estava obtendo, e pior, como ele estava se sentindo naquela situação de total exposição pública.

Quando o coachee apresenta uma questão complexa, ou uma questão parecida com uma que já foi vivenciada pelo coach, ou ainda sobre a qual o coach tem uma opinião formada sobre como as coisas “devem ser”, quando o coach não tem recursos ou envergadura suficiente de pensamento, é de se esperar que julgue e culpe o coachee quando um encontro não é satisfatório. Vejo coaches rotulando ou diagnosticando seus clientes, dizendo à estes que “essa é uma questão para terapia”, “você está deprimido”, ou usando classificações utilizadas em perfis comportamentais como verdades absolutas assim: “isso acontece porque você é um ISTJ, DI, tipo 5, etc”.

Outro viés que torna o processo de coaching um processo “de plástico” acontece quando o coach dá conselhos ou ideias para o coachee, como se fazendo isso pudesse ampliar o mundo deste. Coach se esquece que ao “emprestar seu mundo”, ao compartilhar sua visão sobre as coisas, está limitado seu cliente às suas próprias interpretações, deixando de buscar (e talvez de acreditar) que seu cliente tenha um potencial gerador de si mesmo e que tenha recursos para criar-se a partir das reflexões produzidas no encontro.

O processo de coaching se dá na vida e não no encontro. Os encontros são fendas no espaço/tempo para que o coachee possa falar sobre si e suas questões, possa ouvir a si próprio, possa estabelecer novos caminhos reflexivos e novos cursos de ação e o coach portanto, mais do que uma pessoa, passa a ser um lugar, um espaço reflexivo livre.

Não são todas as conversas que são conversas de coaching. Coaching não é qualquer coisa. Um processo de coaching é um fazer específico, que deve ser desenvolvido por um profissional capacitado, pois diz respeito à esfera ética de nossas vidas, às escolhas que faremos, às ações que empreenderemos em direção à vida boa. Um processo de coaching não pode ser “de plástico”.

Bibliografia:

BAUMAN, Z. Vida em Fragmentos: Sobre a Ética Pós Moderna.  Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 413p.
ECHEVERRÍA, R. Ética  & Coaching Ontológico.  Rio de Janeiro: Qualitymark, 2012.
ECHEVERRÍA, R.; OLALLA, J. El Arte del Coaching Ontológico.  San Francisco: The Newfield Group, 2001.
SÁ, A. L. D. Ética e Valores Humanos. 2.ed. Curtitiba: Juruá, 2011. 255p.
VÁZQUEZ, A. S. Ética. 33. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 302p.

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