Um Caminho para o Amor – Emoções e Linguagem

jun 6, 2018 | Artigos

Compreendemos as emoções como disposições corporais para a ação, e isso pode soar tão natural que se torna invisível no viver cotidiano. Da mesma forma como natureza/cultura foram contrapostos como um par dicotômico, emoção/razão também tem sido alvo esse dualismo hierarquizante, sendo a emoção desvalorizada na maior parte das vezes quando comparada à razão. (1)

As emoções são anteriores à linguagem em nossa deriva histórica e é essa emocionalidade que nos pré-dispõe à ação. Somos seres animados, seres que se movem desde si, e os gatilhos desse mover são as emoções – cuja raiz da palavra vem do latim emovere, que nos remete à movimento – ou seja, o que nos acontece é consequência do que fazemos, de nosso movimento, de nossa conduta.

Nenhuma ação humana é possível sem que haja uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato. Exatamente por isso, nos questionaremos pelo tipo de emoção que deu origem à linguagem, ou mais especificamente, ao linguajear enquanto ação humana recorrente. Habitamos na linguagem pois o que nos define como espécie é o modo de vida que adotamos, e sua configuração de relações coerentes com seu meio. A linguagem como coordenações de coordenações de condutas consensuais de fazeres necessitou de um espaço emocional frequente para se dar de forma recorrente, geração após geração. Para que isso tivesse acontecido, foi necessário uma convivência constante, o que denota a existência do desejo dessa convivência. É esse emocionar do desejo de estar junto que fez possível a permanência, o desfrute da convivência.

“O humano se constitui no entrelaçamento do
emocional com o racional.”
Humberto Maturana

Se a pergunta pela linguagem se der com o olhar para os que linguajeam, e não como comumente temos feito ao nos perguntar sobre a linguagem “como um sistema de representação simbólica a respeito de entes que existem com independência dos que se comunicam” (Maturana, 2001, p.45), podemos entender que o surgimento da linguagem se deu num domínio de ação – espaço no qual ações se realizam – de interações recorrentes que fizeram a intimidade possível.

O espaço emocional e suas distintas disposições corporais que nos constituem e realizam, ou seja, o fundamento emocional da existência humana é condição de possibilidade para as condutas e para o racional, que se dá por meio de palavras. O que distinguimos e nomeamos como conduta racional é “nosso operar em discursos, explicações ou argumentos que podemos justificar com discursos, explicações ou argumentos que construímos respeitando a lógica do raciocinar” (Maturana, 2002n, p.169)

O tipo de emocionalidade identificado e interpretado pelo observador torna algumas ações possíveis e outras não, pois todas as ações humanas são realizadas necessariamente em algum domínio emocional. Quando no viver cotidiano ocorre de mudarmos de estado de espírito, também mudamos o domínio de ações possíveis pois, o que define o que fazemos é o afeto que sentimos.

A aparente funcionalidade de uma organização social muitas vezes controla e esconde, mas não suprime, a força dos afetos que nela habitam e as ações executadas nos domínios relacionais também dizem respeito ao domínio das emoções individuais daqueles que agem e interagem (Maturana, 2001; Echeverría, 2011).

O que é peculiar a nós é que, entre os seres vivos, nós seres humanos existimos no linguajear e é desde este linguajear ou fluir recursivo de coordenações consensuais de fazeres que somos seres racionais quando atuamos de maneira congruente com as coerências operacionais de nossas experiências. E que pode ser desde nosso viver cultural que usemos a razão para justificar ou negar nossas emoções, sem ver que embora digamos que atuamos com a razão, são de fato as emoções, os desejos, as preferências ou o que quisermos ou não quisermos fazer algo, o que determina os
argumentos racionais que usamos para fazer ou não fazer alguma coisa (Maturana e Dávila, 2009, p.35)

Da conduta deriva a conservação ou o desaparecimento, e um dos indicadores de interações emocionais na direção da conservação são as coordenações consensuais de ações porém, além delas, prevalece uma dinâmica de recursão em suas coordenações consensuais de ações que se dão na linguagem e através da linguagem. Entendemos por interações emocionais na direção da
conservação, aquelas que se estabelecem entre indivíduos que dão significado ao outro, reconhecendo e valorando seus fazeres, sem impor condições para que esses sejam iguais aos seus.

A capacidade recursiva da linguagem humana faz com que possamos fazer girar a linguagem sobre si própria, ou seja, podemos falar sobre a nossa fala e também podemos coordenar a nossa coordenação de ações e é essa capacidade recursiva a base da reflexão. Podemos dizer que a capacidade recursiva da linguagem nos molda como pessoas pois o que chamamos de
mente, razão, espírito ou consciência deriva-se dessa capacidade (Echeverría,2011).

Maturana (2001, p.131) afirma que “nestas redes fechadas de coordenações consensuais de emoções e linguagem, nossas ações e o fluxo de nossas ações na linguagem mudam ao mudarem nossas emoções, e nossas emoções e o fluxo de nosso emocionar mudam ao mudarem nossas coordenações de ações na linguagem”, formando assim um sistema retroalimentado e de duas vias que se fazem igualmente importantes.

(1) Além do mais, a emoção é constantemente associada à características “negativas” do feminino – irracionalidade, descontrole, loucura – sendo vista como um mecanismo primitivo, arcaico, incontrolável, menos sofisticado e relacionado normalmente com alguma patologia como uma, entre tantas outras, formas de desqualificação da mulher, sendo os homens – brancos e civilizados, se possível – os grandes detentores da razão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ECHEVERRÍA, R. Raíces de Sentido: Sobre Egipcios, Griegos, Judíos y Cristianos. Santiago = Chile: J. C. Sáez Editor, 2007. 548p.
______. Ontología Del Lenguaje. Santiago – Chile: J. C. Sáez Editor, 2011.

MATURANA, H. R. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
______. Biologia da Linguagem: A Epistemologia da Realidade. In: MAGRO, C.;GRACIANO, M., et al (Ed.). A Ontologia da Realidade. 3ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002a. p.123-166.
______. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. 3a. Reimoressão. Belo Horizonte Editora UFMG, 2002b.
______. O que é ver? In: MAGRO, C.;GRACIANO, M., et al (Ed.). A Ontologia da Realidade. 3ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002k. p.77-105.
______. Ontologia do Conversar. In: MAGRO, C.;GRACIANO, M., et al (Ed.). A Ontologia da Realidade. 3ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002n. p.167-181.

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