Ainda sobre a polêmica do Coaching – reflexão a partir do que se conserva dessa palavra

ago 22, 2019 | Artigos

A palavra coaching aparece nos discursos como algo inovador e promessa de transformação rápida há pouco menos de uma década. Parece nova no nosso vocabulário, mas é uma palavra velha: no séc. XIX já era usada para se referir ao trabalho de tutores acadêmicos da Universidade de Oxford e treinadores, e muito antes disso o termo coach já era adotado para designar condutores de carruagem. É possível questionar o que mudou para gerar a atual polêmica, mas hoje quero indagar o que se conservou dessa origem que derivou no que conhecemos como coaching hoje, inclusive a polêmica em torno dessa prática.

E aqui faço um exercício de reflexão que não pretende ser dado como verdade absoluta (até porque ela não existe). Trata-se apenas um modo de ver essa história. Observo que o coaching conservou a característica da mobilidade da tal carruagem, pois os métodos de coaching propõe a mudança a partir do que se coloca em movimento, a ação – tanto que se criou a metáfora dos pontos A e B e apropriou-se do uso do ponto cardeal Norte para indicar o propósito a ser mirado e alcançado. Já se sabe que esses pontos de fato não existem e que o propósito no Norte não passa de uma miragem, pois podemos nos deslocar por qualquer direção da bússola e mover coisas em nós e no mundo. É, portanto, o movimento, a ação que desloca afetos em nós que promove aprendizado, não a direção exata ideal que nos impomos.

O termo coaching também tem conservado a prática da tutelagem dos professores universitários com foco em melhoria do desempenho em determinada habilidade. Essa prática traz para o coaching o pilar do apoio e da responsabilidade compartilhada: o tutor oferece apoio especializado ao aprendizado do aluno, tem responsabilidade pelo modo como conduz esse processo ao mesmo tempo que o aluno tem responsabilidade pelo que escolhe colocar em prática. No entanto, há uma diferença grande na relação que se estabelece entre tutor e aluno e entre coach e coachee: a hierarquia. Há uma relação hierárquica clara entre tutor e tutelado, pois o primeiro detém um conhecimento e/ou uma habilidade que o outro está aprendendo. No coaching, buscamos estabelecer uma relação horizontal entre diferentes saberes, uma parceria em que o coach entra com seu método, conhecimentos e habilidade em promover reflexões a serviço da autonomia do coachee, que não “sabe menos” ou “sabe mais” que o coach, apenas sabe coisas diferentes e não busca aprender uma habilidade ou competência do coach, mas uma habilidade ou competência que considera relevante e que escolhe para si mesmo.

Ainda sobre a polêmica do Coaching - reflexão a partir do que se conserva dessa palavra

Na conservação da tutelagem na bagagem cultural do termo coach percebo um ponto que faz emergir a polêmica atual do coaching. A ideia de apoio paralela às de proteção, ajuda e guarda colocam o profissional coach na fronteira de relações de amizade, ou de professor-aluno, ou de consultor-cliente, ou de mentor-mentorado, ou de profissional-paciente, ou de chefe-subordinado, ou ainda de pai-filho. Que indícios temos hoje dessa relação hierárquica equivocada ou problemática na prática do coaching? Alguns exemplos são: palestras motivacionais ou palestras que mais parecem sermões; falas do tipo “se eu pude/posso, você também pode”/“seu poder é ilimitado”/“explore infinitas possibilidades”; a prática do coaching informal para “ajudar” qualquer pessoa em qualquer situação; ou ainda a prática formal de quem se denomina coach oferecendo soluções ao coachee, criando nichos de coaching não pela especialidade do profissional, mas para atender a uma demanda percebida no mercado…

Com especialidade quero me referir à linha teórica e ao método ao qual o/a coach se filia. É fundamental que as escolas de coaching ofereçam clareza sobre as bases teóricas de seus métodos a seus alunos, pois é isso que pauta o modo de observar, pensar e praticar o coaching. Por exemplo, a resposta de um profissional à pergunta “o que é coaching?” só pode ser dada a partir dos pressupostos discutidos e aprendidos durante sua formação. Quando me fazem hoje essa pergunta, respondo que minha forma de praticar coaching está permeada pela Ontologia da Linguagem e que por este viés entendo o coaching como um processo de aprendizagem com foco em um tema que o/a coachee ou o grupo deseje investigar, tomar decisões e gerar ações diferentes. Parto do pressuposto de que somos seres linguísticos que nos criamos e somos criados pela linguagem. Por meio do processo de coaching (no caso, o ontológico), buscamos promover ampliação da consciência de si, entendimento sobre a autorresponsabilidade e gerar aprendizado a fim de que a/o coachee ou o grupo possa potencializar o seu fazer.

Nas entregas que nós, coaches, fazemos ao mundo, na forma que damos aos produtos e serviços com a etiqueta coaching e na forma como nos posicionamos e agimos, inclusive no dia a dia, seguimos conservando e criando o coaching que existe hoje. Por isso, a polêmica atual é fundamental para refletirmos sobre o que nós, coaches, estamos fazendo e como fazemos o que fazemos.

 

Carolina Messias
Um ser letral, pesquisadora de processos de escrita, mestre em Literatura e coach com formação comportamental e ontológica. Reúne suas paixões por Comunicação Autoral e Desenvolvimento Humano na Incipit Hub. E-mail: contato@incipithub.com.br

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