Como o coach de grupos pode desenvolver equipes

mar 18, 2020 | Artigos

Para refletir sobre a atuação do profissional de coaching com grupos, vale lembrar que a palavra coach, no séc. XIX, era usada por estudantes da Universidade de Oxford para se referir aos professores que tutelavam os alunos com foco em seu desempenho acadêmico. Pouco depois, o termo foi usado para se referir a técnicos que orientavam equipes esportivas. Assim, a prática do coaching já nasce no trabalho com grupos com foco em alcançar resultados por meio do desenvolvimento educacional e técnico de pessoas e equipes.

Acredito que a bagagem semântica que a palavra coaching carrega (primeiro, carruagem, depois, tutor e treinador) já indica algumas distinções em relação a outras formas de atuação com grupos, como mediação, gestão de pessoas e também a de instrutores, professores e psicoterapeutas. Digo distinções sem ter a intenção de classificar cada especialidade, pois entendo que as metodologias de trabalho com grupos se aproximam e se distanciam de acordo com o foco: sobre o ser humano, sobre o resultado e sobre o processo de desenvolvimento. É importante ressaltar que aqui me refiro aos pequenos grupos e aos trabalhos de desenvolvimento pessoal, profissional e de equipes, não levando em conta trabalhos com grandes grupos, que são objeto de pesquisa da antropologia, sociologia e etnografia.

Com “pequeno grupo” refiro-me a um sistema de pessoas que reconhecem sua singularidade e a coletividade, onde há interação, influência recíproca e objetivo compartilhado entre elas. De acordo com Pichon, grupo é:

“Todo conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe explícita ou implicitamente uma tarefa que constitui sua finalidade. Podemos dizer então que estrutura, função, coesão e finalidade, juntamente com o número determinado de integrantes, configuram a situação grupal que tem seu modelo natural no grupo familiar.” (Pichon-Rivière apud Saidon, 1986, p. 184).

Nesse sentido, conduzo meu olhar para grupos pela definição de grupo operativo, o qual reúne pessoas em torno de uma tarefa, cuja natureza vai caracterizar o tipo de grupo trabalhado e influenciar na dinâmica entre os integrantes. Entre as tarefas, podemos ter: aprendizado, desenvolvimento de competências e habilidades, diagnóstico de problemas, criação de projeto, cura, espiritualidade, entre outras – o coach geralmente atua com os quatro primeiros tipos de tarefa.

Acredito que é neste ponto que o coach de grupos começa seu trabalho: quando reconhece o grupo a ser trabalhado, o que se espera de seu trabalho (seja pelo contratante, pelo sponsor do projeto, pelo líder ou pelo próprio grupo, dependendo das relações que ali se estabelecem) e o tipo de tarefa a ser promovido com a metodologia de coaching a que o profissional se filia. É compreendendo estes três elementos iniciais (o grupo, as expectativas, o objetivo macro do trabalho) que o coach de grupos vai facilitar o grupo a encontrar/criar um objetivo compartilhado.

Coaching no trabalho com grupos

Se, no coaching individual, é a clareza do objetivo singular que norteia o processo, no coaching de grupos é a definição e o compromisso do grupo em torno do objetivo compartilhado que vai conduzir o trabalho do coach. E aqui adentramos o campo da complexidade do trabalho com grupos, pois há casos em que o grupo: a) não tem um objetivo comum; b) declara um objetivo como uma finalidade desejada, mas sofre a interferência de diversos outros objetivos individuais e subgrupais que estão em jogo; c) une-se em torno de um tema em comum que reconhece como objetivo compartilhado, porém, seu engajamento é individual; d) ou ainda, tem um objetivo comum, mas não consegue operar com eficiência.

São essas diferentes disposições do grupo diante do objetivo comum que parecem pautar as classificações presentes em discursos de nichos de coaching para definir formas de intervenções do coach no trabalho com grupos, a saber: coaching de grupos, coaching em grupo (disseminado como Group Coaching) e coaching de times e equipes (Team Coaching). Podemos nos aproximar de forma didática dessas classificações para explorar o trabalho de coaching com grupos, sem a intenção de limitar a prática com grupos nesses formatos.

Começo pelo último indicado: o coaching de times/equipes adota essa nomenclatura por atender a grupos de trabalho, organizações e instituições. É neste trabalho que o coach percebe que nem todo grupo é equipe e que nem todo objetivo-finalidade é objetivo compartilhado pelo grupo e entre os membros do grupo. O grande desafio do coach que atua com desenvolvimento de equipes de trabalho, líderes e times é colaborar para que esse conjunto de pessoas formado por papéis móveis e objetivos singulares construa/fortaleça uma identidade e passe a operar bem juntos, em prol de um objetivo compartilhado. Foi a esse tipo de grupo que me referi quando disse, no início, que percebo que a prática do coaching surge no trabalho com grupos, de uma necessidade de desenvolver habilidades e competências dos indivíduos de maneira a afetar o resultado dos demais operando juntos.

Oferecido no mercado como um tipo específico de coaching de grupos, o coaching de times também enfrenta o desafio de atender à demanda do contratante, que, na maioria das vezes, é externo ao grupo a ser desenvolvido, ao mesmo tempo que lê e busca dar conta do que emerge do grupo que vivencia o processo. Nessa classificação didática, coaching de grupos seria, então, o guarda-chuva maior que abrigaria todos os tipos de grupos, como equipes, coletivos de trabalho, grupos religiosos, étnicos, de aprendizagem etc.

O coaching em grupo estabelece uma dinâmica diferente entre os indivíduos, que se unem mais em torno de uma temática de interesse individual do que do compromisso com o objetivo compartilhado pelo grupo. Aqui, o tema e o método são os eixos que vão direcionar os indivíduos e pautar a dinâmica grupal, de forma semelhante ao que acontece em treinamentos e cursos: cada encontro desenvolve um tema e o percurso tem um fio condutor estabelecido a priori pelo coach, que precisa dar conta da dinâmica grupal sempre tendo em vista esse objetivo maior previamente estabelecido. Nessa modalidade, estimula-se a potencialidade do coletivo para gerar trocas entre os indivíduos e ampliar a perspectiva dos indivíduos para seus objetivos individuais.

Independentemente se o coach está mais a serviço do campo grupal, da estrutura do método utilizado ou do conteúdo predeterminado, é essencial que ele reconheça seu foco e intencionalidade no trabalho com grupos. Afinal, cada uma dessas três escolhas citadas vai pautar a condução do trabalho e a qualidade dos resultados. O cerne do trabalho do coach de grupos está na facilitação do processo de desenvolvimento do todo (grupo) e das partes (indivíduos) e na facilitação da relação entre as partes e das partes com o todo, começando pela identificação/criação e declaração de acordos que vão pautar o processo e do objetivo compartilhado, que deverá ser pactuado pelo grupo.

Agora, a forma como o coach de grupos conduz esse processo vai estar diretamente relacionada à experiência prática e à linha teórica e metodológica a que ele se filia: comportamental, sistêmica, biográfica, psicodramática, antroposófica, fenomenológica, ontológica… – para citar algumas. Para compartilhar meu olhar sobre como o coaching pode desenvolver equipes, observo minha prática “híbrida”, muito pautada pela linha ontológica e também influenciada pela psicologia comportamental e pela fenomenologia.

Desenvolvimento de equipes pela informação e pela experiência

Acredito que os principais campos de atuação do coach, tanto individual quanto de grupos, sejam o da comunicação e o da experiência. A partir e dentro desses campos, o coach é capaz de facilitar um processo que conduz a ações refletidas e contextualizadas. O campo comunicativo é fundamental quando entendemos que somos seres linguísticos que criam mundos internos e externos a partir da linguagem, ou seja, é o campo complexo do que se observa, do que se interpreta, do que se transmite, do que se pactua, enfim, de como os seres humanos se relacionam. Afinal, “não sabemos como as coisas são. Apenas sabemos como as observamos ou como as interpretamos. Vivemos em mundos interpretativos.” (Echeverría, 2003, p. 25). O campo comunicativo é o lugar da expressão, e é a partir desse lugar que se criam o lugar de possibilidades e o de ações efetivas.

No entanto, quando falo de linguagem não me refiro apenas à verbal, mas também a não verbal, isto é, a do corpo e das emoções, que nos conduz ao campo da experiência. Como afirma Maturana (apud Echeverría, 2003, p. 83), “o fenômeno da comunicação não depende do que se entrega, mas do que se passa com o que recebe. E isto é um assunto muito diferente de ‘transmitir informação’.” Muitas vezes, nós, coaches, nos colocamos nessa posição “professoral” tradicional de transferir informações técnicas e conteúdos e perdemos, com essa prática, oportunidades reais de estar com o grupo, de conduzir seu desenvolvimento a partir de dentro, do que emerge da relação, dos comportamentos do grupo e do que o grupo vive. Quando o coach ocupa esse lugar professoral, ele naturalmente engessa a relação e coloca o grupo na posição de alunos espectadores, quando, na verdade, o processo de aprendizagem do coaching não é da ordem teórica, mas da ordem da experiência:

“Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituirmos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência.” (Bondía, 2002, p. 21).

Enquanto a primazia da informação pauta uma relação entre “quem sabe”/sujeito (coach) e “quem não sabe”/assujeitado (grupo) e alimenta no coach a ilusão de controle por saber coisas, o foco na experiência é muito mais desafiador, pois estabelece outra qualidade de relação, que demanda do coach tanto o saber teórico quanto o vivencial, além de flexibilidade para lidar com o que acontece, do desapego de sua preparação quando ela não servir e da capacidade de construir uma relação que o coloque em segundo plano, a serviço do que o grupo precisa.

Para desenvolver equipes, é necessário tempo para ganhar fluência na linguagem do grupo. Intervenções pontuais, como palestras ou workshops podem promover deslocamento do olhar e ampliação da perspectiva da equipe, mas não darão conta do desenvolvimento. Isso porque desenvolvimento pressupõe aprendizagem pela prática, que só é possível com o fator tempo inserido na equação. Quando começamos um trabalho com grupos, ainda não estamos fluentes na linguagem desse grupo específico, na sua forma de expressão. A partir do primeiro encontro, coletamos fenômenos dessa expressão (o ôntico), ou seja, dados concretos, como as palavras que o grupo utiliza com mais frequência, seu comportamento, as expressões corporais, a forma como interagem entre si e com o coach, o modo de participar etc. Paralelamente ao ôntico, captamos elementos ontológicos, que percebemos nas entrelinhas do que é dado factual, os quais nos permitem tecer hipóteses sobre a natureza e a particularidade do que acontece e intervir ou não em prol do grupo. Com essa leitura afinada, o coach é capaz de dialogar com o grupo, implicando-o no processo, por exemplo, checando interesse do grupo sobre dados individuais (como a manifestação de uma emoção, de um incômodo, de um atraso etc.) e sobre o que está em pauta no desenvolvimento da equipe, questionando o grupo sobre o que ele percebe, dando clareza sobre o objetivo das atividades e estabelecendo acordos que permitam que o grupo também aprimore sua fluência na forma como se comunicam e se relacionam. Na tessitura entre o ôntico e o ontológico, o coach vai ganhando fluência na linguagem do grupo e é capaz de transitar do lugar da expressão para o lugar da possibilidade, isto é, quando a palavra se torna prática e o grupo se dispõe a testar caminhos de ação possíveis.

Quando o grupo passa a transitar entre o lugar da expressão e o das possibilidades, temos aí um indicativo de desenvolvimento da equipe: a criação de um campo de criatividade e aprendizagem. Neste campo, o coach estimula a potencialidade do coletivo, provocando o grupo a refletir sobre seu fazer por meio de perguntas e da análise de fatos e hipóteses. Ao longo do trabalho de desenvolvimento de equipe, a qualidade das perguntas tanto do coach quanto das que emergem do próprio grupo mobilizam a busca de soluções para os desafios reais, vividos, não os imaginados dentro de um conjunto de informações do mundo do trabalho.

O desenvolvimento de equipes por meio da informação pode promover instrução, despertar curiosidade e até ampliar a perspectiva no nível mental sobre o que acontece. Porém, é só por meio da experiência, do atrito com o vivido, que se pode compreender o que nos acontece, o que nos afeta, o que nos transforma.

“É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.” (Bondía, 2002, p. 26)

A potencialidade das equipes é desenvolvida quando o coach se coloca a serviço da facilitação dessa experiência do grupo com seu objetivo compartilhado, com sua expressão e seus afetos, para que, transformado, seja capaz de criar possibilidades e soluções para seus desafios reais.

Palavras-chaves: trabalho com grupos, coaching de grupos, grupo operativo, ontologia da linguagem, experiência.

Referências bibliográficas

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Trad. João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação. n. 19. Jan/Fev/Mar/Abr, 2002. 20-28. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>. Acesso em 15 abr. 2019.

CORNIANI, Paulo Henrique. O grupo e seu(s) objetivo(s). Publicado em 19 out. 2016. <https://www.appana.com.br/o-grupo-e-seus-objetivos/>. Acesso em 16 abr. 2019.

ECHEVERRÍA, Rafael. Ontología del Lenguaje. Santiago: J. C. Sáez Editor, 2003.

MAILHIOT, Gérald Bernard. Dinâmica e gênese dos grupos – atualidade das descobertas de Kurt Lewin. Petrópolis: Vozes, 2013.

MATURANA, Humberto. Percepção. Configuração do objeto pela conduta. MAGRO, C.; GRACIANO, M.; VAZ, N. (orgs.) A ontologia da realidade. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2014. p. 79-89.

SAIDÓN, Osvaldo I. O grupo operativo de Pichon-Rivière – guia terminológico para construção de uma teoria crítica dos grupos operativos. BAREMBLITT, Gregório. (org) Grupos: teoria e técnica. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2ª. Ed., 1986. p. 169-181.

por Carolina Messias
Pesquisadora de processos de escrita e Comunicação Autoral, mestre em Literatura e coach com formação comportamental e ontológica.

Artigo originalmente publicado na Revista Coaching Brasil, ed. 72, maio/2019.

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