O grupo e seu(s) objetivo(s)

out 19, 2016 | Artigos

Como trabalhar com grupos?

Hoje existem diversas formas de atuação e técnicas aplicadas para o trabalho com Grupos, com similitudes e diferenças, estas técnicas são utilizadas muitas vezes com rigidez e contorno muito bem delimitados ou, por outro lado, muitas vezes combinam-se várias abordagens, de acordo com as habilidades do profissional que conduz o processo. Entre as formas de atuação para conduzir o processo estão a facilitação, coordenação, treinamento, mediação e o Coaching.

Cada tipo de condução observa e intervém a partir de uma lente, porém todas estas abordagens se tocam em algum momento, não há como olhar e agir no grupo somente de um lugar, o câmbio é inevitável, pois a multiplicidade de dinâmicas geradas no campo grupal são praticamente incontáveis. Talvez, justamente por este trânsito que, entre olhares e intervenções diversas (que são necessárias ao profissional que tem o grupo como matéria prima de seu fazer), muitas vezes podem ocorrer protecionismos metodológicos para assegurar a especialidade, ou melhor, o título de especialista.

Então qual a especialidade que melhor se adequa ao trabalho com grupos?

Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, pois o trabalho com grupos não é uma equação matemática no que diz respeito a sua exatidão, mas sim um campo extremamente complexo que exige uma abertura mental, uma presença atenta de sentidos treinados para perceber os tempos e movimentos grupais. Cada técnica tem seu valor nesse rizoma de vontades, intenções e ações. Porém nesse texto vamos nos ater a uma delas, o coaching. Não no sentido genérico, e sim em um tipo bem específico de coaching, o ontológico, que paradoxalmente é muito provavelmente o mais generalista dentre todos.

Um grupo pode ser definido como um conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua singularidade, que exercem uma ação interativa e se influenciam reciprocamente em busca de um objetivo compartilhado, e este objetivo comum é uma das potências que mantém a coesão do grupo no grupal, ou seja, que mantém este conjunto de pessoas se relacionando de forma “organizada”. Então é quase óbvio, e tentador, dizer que o “diamante precioso” de um grupo é seu objetivo comum, correto? Bem, quase isso, mas será que um grupo tem somente um objetivo?

Quando um grupo é formado um dos primeiros movimentos é em função do estabelecimento e/ou pacto de um objetivo grupal. Vejamos: um grupo de trabalho que se estabelece, ou é estabelecido, para um projeto que tem como objetivo a concretização com o que se pretende esta proposta, seja ela a construção de um prédio, de um produto, ou até mesmo algo não tangível como o design de processos de excelência, desenvolvimento humano ou criar um projeto a partir de ideias.

A questão é que nenhuma destas concretizações serão possíveis quanto a sua efetivação, pelo menos grupalmente, antes do objetivo ser um objetivo compartilhado, e para tal surgimento é preciso primeiramente, a declaração e pacto do grupo com o objetivo do projeto. Notem que estamos falando de um objetivo que pode existir como fim de um projeto, mas não como objetivo comum do grupo antes do pacto “com” e, principalmente “entre” o grupo. É nesse momento que o coach pode colaborar, facilitando o processo entre a parte (indivíduo) e o todo (grupo); a parte e a parte; e o todo e a parte. Ou simplesmente no campo grupal.

Coaching no trabalho com grupos

coaching ontológico é uma técnica que tem como base a ontologia da linguagem, pressupõe o ser humano como quem se expressa e se realiza enquanto linguagem, que atravessa e é atravessado por ela, sendo criado e recriado incessantemente em busca da sobrevivência e consequentemente do desenvolvimento. Em um processo de coaching ontológico individualizado a relação entre o coach e coachee se estabelece pela linguagem e pela observação dos fenômenos sociais como fenômenos linguísticos, em última instância o coach não ajuda o coachee a alcançar o objetivo almejado, mas provoca-o no sentido de observar o seu objetivo, como parte de um sistema complexo, que pode ser criado na reconfiguração das crenças, que se estabelecem sobre e entre os “nós” deste sistemas, que obstruem a realização de “ser” e se perceber como agente de sua própria vida.

Na intervenção do coach no trabalho com grupos, da mesma forma que no processo individualizado, o desafio posto é estabelecer uma relação, sobretudo de confiança, de linguagem e criação da concretização de um objetivo, porém neste caso, a meta supostamente deve ser comum entre todos os integrantes e isso, talvez, seja o mais desafiador de todos os fenômenos grupais desenvolvidos, tanto para o grupo, quanto para o coach deste processo. Em um grupo o que podemos entender por objetivo compartilhado pode ser ilustrado como uma ilha em que, ao primeiro olhar, toda água que a circunda movimenta-se aparentemente em relação a ela, porém, estas águas têm profundidades desconhecidas em que movimentos também acontecem em relação a uma topografia submersa.

Quando um grupo estabelece seus movimentos e suas forças em prol de um objetivo, ele esta realizando a “tarefa” como conceituou Pichon: “A tarefa é a marcha do grupo em direção ao seu objetivo, é um fazer-se e um fazer dialético em direção a uma finalidade, é uma práxis e uma trajetória” (Pichon-Rivière, 1983). Essa trajetória deve ser o ponto focal do coach no trabalho com grupos, pois é no momento em que o grupo está em tarefa que a dinâmica grupal aparece.

É importante percebermos que a dinâmica grupal não é a tarefa, mas sim um fenômeno complexo multidimensional gerado a partir da interação, ou simplificando: a relação que os membros de um grupo estabelecem estando em tarefa. É a partir da leitura, no “aqui-e-agora” da dinâmica grupal que o coach poderá lançar suas provocações ao grupo, pois delas emergirão as brechas que evidenciarão as obstruções que impedem o grupo de alcançar seu objetivo.

As intervenções podem ser realizadas pelo profissional de diversas maneiras, tanto lançando hipóteses sobre situações geradas em uma atividade, propondo atividades intra e/ou interpessoais, ou ainda realizando com os membros do grupo a análise e a meta-análise de atividades propostas e geradas no grupo. Porém, para estas intervenções serem consistentes e eficazes, o coach deve partir da leitura do campo grupal de forma multidimensional, entendendo este campo, como disse Zimmerman, uma “estrutura além da soma dos componentes (linguagem, dos afetos, vínculos, fantasias, ansiedades, resistências e defesas) resultantes das subjetividades dos membros”(Zimmerman, D.E., 2000).

Cabe destacar que olhar além da soma não é, de forma nenhuma, desprezar as partes, pois no sistema grupal estes fenômenos (parte, soma das partes e o todo) coexistem. E olhar além da soma é olhar o TUDO que engloba o todo, as partes e suas somas, que coloca o todo ao lado das partes como uma totalização dialética conforme disseram Deleuze e Guattari: “Só acreditamos em totalidades ‘ao lado’. E se encontramos uma totalidade assim, ao lado das partes, essa totalidade é um todo ‘dessas’ partes, mas que não as totaliza, uma unidade ‘de’ todas assas partes, mas que não as unifica, e que se acrescenta a elas como uma nova parte composta à parte.” (Deleuze, G e Guattari, F., 1976)

Com o ponto de atenção do “todo” e das ”partes”, podemos inferir que trabalhar um objetivo comum no campo grupal é trabalhar e “negociar” vários objetivos conjuntamente, que muitas vezes não são declarados. Cabe ao coach, neste processo, mergulhar (resgatando a metáfora anterior) e provocar os membros do grupo a mergulharem para a verificação dos movimentos da água abaixo do nível em que é possível perceber da ilha, nesse caso para a verificação dos objetivos singulares que anteriormente chamamos de topografia.

Sempre, sem exceção, quando um grupo se estabelece, as forças que operam no campo grupal dizem respeito a basicamente dois eixos, sendo que o primeiro diz respeito a “horizontalidade”, dimensão das interações grupais, e o segundo a “verticalidade”, dimensão das questões individuais e particulares de cada membro, como nos elucidam os conceitos pichonianos nas palavras de Osorio: “A verticalidade e a horizontalidade do grupo se conjugam no papel, necessitando a emergência de um ou mais porta-vozes, que, ao enunciar seu problema, reatualizando seus acontecimentos históricos, denuncia o conflito da situação grupal em relação à tarefa.” (Osório, 1989)

Na atuação destes papéis no campo grupal, os membros declaram de forma muitas vezes implícita, suas verticalidades e seus objetivos singulares, e dar ou não tratamento a essas manifestações é uma escolha que deve ser uma ação propositiva do coach, buscando a modulação entre os objetivos particulares e os comuns, para que as partes desenvolvam-se no “todo” grupal e consequentemente desenvolvam-se como grupo, buscando o objetivo compartilhado, declarado e pactuado.

A escolha quanto ao tratamento destas singularidades é sempre uma decisão de risco, que imprescindivelmente o coach de um processo grupal terá de tomar, ora acolhendo as individualidades, trazendo provocações e hipóteses para que o grupo possa olhar as partes, ora tangenciando questões individuais e lançando propostas para as partes se atentem para o grupo.

Sem dúvida, no processo grupal, essas escolhas se alternarão em busca de uma espécie de equilíbrio, nunca de forma binária, mas como resultante de uma observação sensível das necessidades das “partes” do “todo” e do “tudo”, buscando como resultado o desenvolvimento do “meio” e “fim” grupal. Ou seja, da permanência do grupo em tarefa e do objetivo compartilhado.

Todo o processo grupal conduzido por um coach, deveria ser um trabalho onde a meta grupal não é maior que o grupo, mas encontra-se ao lado deste, não é um lugar onde se chega, e sim, um lugar em que se cria, em que o desenvolvimento do trabalho é o desenvolvimento de um grupo criador de realidades produtivas, com pessoas produtivas. Para a execução deste fazer, o profissional pode ter uma ótima formação e dominar as técnicas, porém dificilmente terá êxito se não atuar com ética, presença e muita, muita intencionalidade em suas intervenções nos tempos e movimentos grupais.


Bibliografia:

DELEUZE, G e GUATTARI, F. O anti-Édipo, Rio de Janeiro, Imago, 1976
OSÓRIO, L. C. Grupoterapia Hoje. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
RIVIÈRE, R.P. O Processo Grupal. São Paulo, Martins Fontes, 8° edição (2° tiragem), 2012
ZIMERMAN, D.E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas, 2ª edição, 2000.

O Autor:

Paulo Corniani
Sociólogo, pós-graduado em dinâmica dos grupos e coach ontológico.
Um homem latino americano buscando entender as coisas

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