Os Órfãos do Coaching

jan 13, 2020 | Artigos

Há um fenômeno que conduziu milhares de pessoas às salas de aula de Coaching nesta última década. Muitos foram os fatores que contribuíram para esse fenômeno, desde a crise econômica, passando por uma crise coletiva de sentido no trabalho, pela ascensão das redes digitais e pelo oportunismo de quem se aproveitou desse nicho de mercado. Mas não queremos falar dos fatores do fenômeno do Coaching no Brasil, mas de um de seus efeitos: o desamparo de coaches profissionais após a formação.

Um desamparo gerado pela estrutura e pela didática de algumas formações disponíveis no “mercado” de Coaching. Algumas instituições de Coaching se tornaram negócios milionários e passaram a oferecer seus cursos como produtos para suprir “dores” e criar demandas para seu público(-alvo). Quando um curso se torna um pacote, o compromisso da instituição se volta mais para a sustentabilidade da cadeia do negócio em si, para vender mais pacotes, manter a estrutura da empresa e gerar mais lucro, do que para a sustentabilidade do conhecimento e do aprendizado no aprendiz, que passa a ser tratado como “alvo” do marketing e registro no cadastro de clientes.

Em instituições que entendem a educação de adultos meramente como um negócio lucrativo, o curso-pacote acaba sendo simplificado, apostilado, condensado, reduzido no tempo. A “pasteurização” dos cursos de Coaching, inclusive, foi um dos grandes fatores que geraram a polêmica em torno desse método e ocupação profissional. O método apostilado, reproduzido do modelo de enciclopédico, compila conceitos complexos de forma simplificada e, muitas vezes, os reduz a citações fora do contexto de seus originais. O foco está em oferecer informação e dados, o que gera percepção de valor do público-alvo, e o conteúdo é centrado na figura do trainer (o professor). Nesse sentido, o modelo dessas formações apresenta uma didática equivocada, pouco andragógica e de aplicação restrita pois a aprendizagem – que deveria ser o foco desse processo – fica esquecida.

Os Órfãos do Coaching

Pasteurizado, enciclopédico e tradicional, por dois motivos principais. Um deles é o próprio trainer, que é orientado a se posicionar como modelo exemplar a ser seguido, detentor experiente do conhecimento que pode até compartilhar suas falhas do passado como cases, mas que parece não cometê-las mais – um trainer tornado mestre imaculado. Além disso, assume o papel de motivador, estimulando e atraindo a atenção dos alunos para o valor das informações e para a certeza de seu ponto de vista, e também de censor, que orienta o que é certo e errado, de acordo com as regras ditadas pela apostila ou pelas ferramentas “cientificamente comprovadas” que, por isso, não podem ser questionadas. A apostila, inclusive, também caracteriza esse modelo de ensino. Muitas vezes, ela é a única referência a que o aluno em formação tem acesso ou recorre para guiar seus estudos e, posteriormente, sua prática profissional, limitando seu aprofundamento e pensamento crítico. Menos tradicional, no entanto, é o tempo destinado a esse modelo de ensino. Visando assumir um caráter mais inovador, essas formações utilizam o argumento das metodologias ágeis e condensam o tempo de curso em poucas horas presenciais e muitas horas on-line (só aqui convocando a autonomia e a autorresponsabilidade do adulto).

Dessa forma, o modelo de ensino oferecido vai gerando, paulatinamente, a sensação de falta no aluno. Sensação que culmina no desamparo do aluno-órfão logo depois de “formado” em Coaching. Sente-se órfão do trainer que detinha todas as respostas e desamparado com uma apostila que não dá conta da complexidade do que acontece nos atendimentos reais, gerando uma sensação de incompletude que é interpretada como falta de mais conhecimento, que será oferecido somente no próximo curso.

Os órfãos do Coaching saem da formação motivados, num primeiro momento, e logo em seguida se sentem perdidos, sem repertório sólido nem teórico, nem prático sobre o Coaching. Por terem contato apenas com um referencial e terem sido ensinados a aceitá-lo, obedecê-lo e reproduzi-lo, não sabem como conduzir processos que escapam do padrão das ferramentas aprendidas.

Os órfãos do coaching são deixados na roda do mercado de trabalho munidos de uma enorme e pesada caixa de ferramentas e uma lista de perguntas a decorar. Sem terem desenvolvido uma expressão autoral, se apropriado do método com pensamento crítico e autonomia e sem referências (teóricas e práticas) que só o tempo, estudo e dedicação podem trazer, a incipiente carreira de coach torna-se insustentável em pouco tempo e muitos voltam às suas carreiras anteriores ou se movem para outro fazer laboral que parece ser mais atrativo e lucrativo.

Se o Coaching é um método de estruturação de conversas expansoras por meio de perguntas refletidas, o processo formativo deve dar conta de muito mais do que informação e dados. Deve, principalmente, formar mentes indagadoras, estimular a autonomia, autenticidade, criatividade. Uma formação efetiva de Coaching coloca a inteligência e os afetos dos adultos em formação no centro do processo de aprendizagem e, para isso, precisa estar aberta a questionamentos, ao não-saber e a revisão constante. Afinal, o Coaching não é uma ciência dura que está posta, é um método em devir, em construção contínua.

 

Káritas Ribas
Pesquisadora em Complexidade, Mestre em Biologia-Cultural, Filósofa, Psicanalista e Coach com Formação Ontológica – PCC pelo ICF. Sócia-fundadora do Appana Território de Aprendizagem.

Paulo Henrique Corniani
É sociólogo, pós-graduado em dinâmica dos grupos e coach ontológico. Sócio do Appana Território de Aprendizagem. Um homem latino americano buscando entender as coisas.

Carolina Messias
Pesquisadora de processos de escrita e Comunicação Autoral, mestre em Literatura e coach com formação comportamental e ontológica.

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